Bolha de Ar

Sobre ser vegetariano e não ter instagram

Eu sou vegetariano. Tecnicamente ovo-lacto-vegetariano. Significa que eu não como carne. Nem frango, nem peixe, nem camarão, como eu tenho frequentemente que explicar; nem "nada que tenha rosto" como já resumiram por mim uma vez.

Diferente de alguns, eu não virei vegetariano por pena dos animaizinhos. Veja bem, nada contra os animaizinhos, até gosto muito de alguns. Mas entendo que na natureza existem animais que se alimentam de outros animais, e o ser humano é um desses. Embora as coisas sejam mais complicadas do que isso, porque já a muito tempo nós seres humanos, a maioria de nós pelo menos, não vivemos "na natureza" (na forma que a sociedade ocidental entende Natureza) e poucas pessoas ainda tem a caça como um pilar da sua alimentação. Algumas criam animais no seu quintal, roça, ou fazenda, a maioria compra carne no supermercado. A carne, e por consequência os animais de onde ela vem, virou uma mercadoria, com todo um negócio por trás: o agronegócio.

O agronegócio é supostamente, e de acordo com o próprio agronegócio, o setor da economia que carrega o Brasil nas costas. Ele faz isso produzindo principalmente carne bovina, carne de frango, soja e milho. Esses dois últimos vão virar ração para animais que vão virar carne. O fato é que é um setor que acumula muito poder econômico e usa esse poder econômico para financiar músicos de qualidade duvidosa e políticos de qualidade mais duvidosa ainda. Assim o poder econômico do Agro — como é referido carinhosamente nas propagandas da Globo — é também poder político. No Brasil o agronegócio está no centro dos problemas ambientais — disputas por terras, desmatamento, emissões de gases de efeito estufa, etc — e usa seu poder político para atuar impunemente enquanto agrava a crise climática. A maioria do que produz o setor é para exportação, sobrando para a agricultura familiar a tarefa de "alimentar o Brasil".

Tá bom, tá bom, e o que isso tem a ver com comer carne? Na minha cabeça não faz sentido apontar todos os problemas do agronegócio, da agropecuária, enquanto como um bifão a milanesa. Seria hipocrisia da minha parte. E embora eu nunca tenha dito que não sou hipócrita, eu prefiro ter uma contradição a menos para sustentar. Falando em sustentar: o consumo mundial de carne atualmente é o maior de todos os tempos e não é sustentável, uma hora a gente vai ter que reduzir esse consumo e quando essa hora chegar eu já terei reduzido. A zero.

Algum vegano pode apontar minha hipocrisia ao não comer carne mas comer ovos, leite e derivados. Novamente, eu nunca disse que não era hipócrita. A comida tem um aspecto social. Sendo vegetariano já abri mão de várias receitas de família e culinária regional, já é difícil achar o que comer fora de casa (já estou enjoado do sabor queijo). Já abri mão dos churrascos como forma de confraternizar, quero manter pelo menos os bolos de aniversário. Mas talvez eu adote uma dieta vegetariana estrita no futuro. Ou talvez eu volte a comer carne, sei lá.

A questão é: O meu consumo individual não faz diferença e eu sei disso, mas mesmo assim revi o meu consumo de carne como forma de por em prática, ainda que numa escala microscópica, algo que eu acredito ser benéfico para o planeta.

E o que diabos isso tem a ver com o Instagram???

As plataformas que chamamos que "redes sociais" se tornaram a praça pública do mundo. É lá que o veículos jornalísticos divulgam suas notícias, que empresas anunciam seus produtos, que "influencers" tentam influenciar pessoas a comprar coisas e ideias. É lá também que seus amigos vão contar as novidades da vida deles, que sua prima vai falar que está grávida, que a universidade anuncia cursos e projetos, etc.

Entretanto, essas redes sociais comerciais - instagram, facebook, x/twitter, tiktok, youtube, etc - são propriedade de empresas de tecnologia multibilionárias americanas. Essas empresas existem para coletar dados dos seus usuários e venderem propagandas. Com esse modelo de negócios elas se tornaram gigantescas, acumulando tanto capital quanto informações de todo tipo sobre todo mundo. Elas usam seu dinheiro para financiar políticos de direita e extrema-direita que vão votar contra sua regulação. Elas usam os dados que acumularam sobre seus usuários e o seu alcance para manipular a opinião pública, manipular eleições e até causar genocídios.

Seguindo a mesma lógica de parar de comer carne eu saí do Instagram, Facebook, Twitter e nunca criei conta no BlueSky. É uma pena perder o contato com um monte de gente mas considero uma hipocrisia a menos da minha parte. Sei plenamente que o Zuckerberg não vai sentir minha falta, não vai diminuir um centavo na conta dele. E ainda assim considero importante não estar nesses lugares.

Adendo 1: Eu usava redes sociais como um perfil pessoal, e nunca gostei muito do instagram por ser baseados em fotos, então foi fácil desapegar. Eu não tenho um emprego que depende de divulgação. Eu não gerencio um perfil que precisa alcançar milhares de pessoas. Esses casos são mais complicados de resolver. Ainda assim o quanto antes pudermos coletivamente sair dessas plataformas melhor.

Adendo 2: Eu abandonei as redes sociais comerciais mas ainda socializo pela internet. Se quiserem me achar é só procurar lá pelo Fediverso.